As Gêmeas
AS GÊMEAS
Maria caminhava no quintal de sua casa toda feliz com sua gravidez, não cabia em si de tanta alegria. Maria era linda e sua simplicidade e educação a tornava ainda mais lindos seus grandes olhos azuis. Há cinco anos casada com Gabriel, um homem bem apanhado e de princípios do bem que norteavam seu caráter, de sorriso fácil apesar de seu ar sério, amava Maria de todo o coração, não obstante o casamento ter sido "arranjado" como era costume da época. A chegada de uma criança despertou em seus gestos e palavras, uma ternura especial no convívio com a esposa, o que a deixava mais contente e tranquila. Era março de 1.905, logo após o Presidente Rodrigues Alves suspender o estado de sítio, Gabriel não era só responsável pela parte comercial dos produtos da fazenda de seu pai, mas também pelos imigrantes que chegavam da Itália, Portugal e outros países para o trabalho com as plantações de café, pela carência de mão de obra provocada pelo fim do tráfico de escravos, não que usassem escravos na fazenda, porque a família era sempre atacada com palavras e olhada com indiferença pelos vizinhos fazendeiros, pelo tratamento justo e por tê-los liberto no ato da compra, o que contribuiu com certeza para a suspensão do tráfico.
O ódio é o amor que adoeceu
Os pais de Maria já haviam falecidos há alguns anos, mas estavam sempre presentes em sonhos e nas visitas espirituais que recebia, sem no entanto ela ter conhecimentos de tais fatos, talvez por falta de conhecimento da espiritualidade e dos sinais recebidos e não detectados, mas estavam sempre nas lembranças da filha. Já os pais de Gabriel gozavam de plena saúde, apesar da idade avançada. Seu pai Alberto confiava praticamente toda a gestão dos negócios ao filho, homem simples e de honestidade ilibada, fazia questão de ser justo em todas as suas atitudes, diferente de sua esposa Joana que era dona de um caráter duvidoso e nutria por sua nora, Maria, sentimentos negativos de inveja, ciúmes e um ódio gratuito por alguém que só lhe fazia o bem e estava sempre disposta a ajudá-la. Realmente é muito difícil entender o sentimento de ódio, *" Afirmam os seres que guiam a Humanidade, que o ódio é o amor que enlouqueceu. Sim, o ódio é o amor que adoeceu, porque a mesma energia que nós usávamos para construir e que agora utilizamos para destruir. A mesma criatura sobre quem dirigíamos o olhar de ternura, agora dirigimos um olhar furioso, um espectro furibundo que parte de nossa intimidade na direção do opositor."
Talvez esta não seja a única explicação, mas é válida por todos considerarem que o ódio tem a mesma potência do amor. E esses sentimentos levarão Joana a atitudes insanas no decorrer dos próximos tempos.
fonte: *Federação Espírita do Paraná. Amor e ódio.
O poeta João Batista
João Batista era o irmão mais novo de Gabriel, não uma ovelha negra porque não havia maldade em seu coração, mas sua vida dividia-se entre a cama de dia dormindo até tarde e a cama da noite nos braços das mulheres, muitas vezes em ambientes pouco recomendáveis. Trabalhar não era e nunca foi seu forte e esse "pequeno" defeito era motivo de muitos desentendimentos com seu pai, mas João não estava nem aí para as palavras duras que ouvia, ainda bem que nenhum dos dois guardavam rancor um do outro e se amavam. Gabriel mesmo sempre atarefado, não se importava com a boa vida de seu irmão, preferindo cuidar de tudo sozinho, mas não deixava de alfinetá-lo em tom de brincadeira nos churrascos de fim de semana na sede da fazenda e abraçando-o Gabriel perguntava:
-Será que algum dia você criará juízo¿ e a resposta era uma bela gargalhada.
Mas o que ninguém sabia é que João Batista gostava de escrever poesias e em suas muitas horas vagas se transformava em poeta e traduzia seus sentimentos em páginas e páginas escondidas em seu quarto.
Dona Úrsula e a notícia de gêmeos
Dona Úrsula era uma das vizinha de Maria e vez em quando conversavam, trocavam ideias sobre o cotidiano mas até esse dia Dona Úrsula não havia revelado que era médium espírita e que sempre participava das seções em Sacramento-Minas Gerais, na Fazenda Santa Maria, mesmo porque na época a doutrina de Kardec era perseguida, mas os ataques só fortaleceram os membros em defesa da consolidação do espiritismo no país. Com a revelação, Maria ficou surpresa, porque até então só conhecia a igreja católica que era uma das que mais atacavam com acusações e insinuações maldosas de magia negra, feitiçaria e outras barbaridades mais. Mesmo assim, Maria ouvia com muito interesse as explicações que Úrsula fazia com entusiasmo. Antes de encerrar deixou o texto abaixo, para reflexão do casal:
*"Ninguém é joguete de nada!
Cada um é responsável por suas escolhas e caminhos.
Quem quer luz, busca a Luz. É ressonância espiritual.
Quem quer ilusão, busca a treva. É conluio com o ego.
O livre-arbítrio é apanágio do ser humano.
Sua liberdade e seus infortúnios estão em suas mãos.
Ninguém é responsável pela felicidade de outro.
Cada um é cada um, com suas ações e repercussões inerentes.
A forma como cada um reage às situações é que dá a tônica de sua vida.
O nível de consciência é refletido nas escolhas e nos atos.
Quem está desperto, se liga à Luz. É escolha direta, sem dúvidas!
Quem está preso nas teias de Maya* se liga na incerteza. É só dúvidas!
Espiritualidade é um estado de consciência. Não é ter, mas, sim, SER!
Cada ato movimenta energias correspondentes... E suas repercussões.
Pensamentos e sentimentos também movimentam energias, e suscitam reações.
Ninguém vê, mas o que se pensa gera formas mentais**, que se ligam a outros pensamentos semelhantes, formando conexões psíquicas correspondentes.
Assim, também, ocorre com os sentimentos, que deixam marcas na aura."
*fonte: https://www.ippb.org.br/textos/textos-em-destaque/ensinamentos-dos-iniciados-ii
Ao finalizar a explanação, Úrsula abraçou Maria com carinho e se despedindo confidenciou baixinho ao seu ouvido de que sua gravidez era de gêmeos e que nasceriam duas lindas meninas. Lágrimas de alegria caiam ainda quando acenos de adeusinhos de suas mãos se repetiam. Quando Gabriel chegou da fazenda e recebeu a notícia, os dois se abraçaram e a felicidade ficou estampada em seus rostos. O aceitamento dos relatos pelo casal foi impressionante, sem um resquício de dúvida sequer ficou sobre a previsão recebida. Conversaram muito sobre o relato de Úrsula sobre o espiritismo e Gabriel lembrou que já havia lido sobre o assunto no periódico "O Clarim" e que havia gostado muito da leitura, principalmente de um tópico que dizia que nada do que acontece é por acaso e que tudo tem um motivo determinado, que devemos aprender com nossa experiência ajudando de muitas formas o nosso semelhante e tudo isso poderá nos ajudar na evolução espiritual. Olhando com ternura para Maria, acrescentou: - Se você quiser podemos nos aprofundar no assunto buscando na literatura espírita e nos encontros com Dona Úrsula o conhecimento para uma vida mais tranquila e digna, o que concordou sua esposa com um leve balançar de cabeça.
A visita da Sogra
Era sexta feita de manhã e Gabriel já havia saído para o trabalho, quando Maria foi atender a campainha da porta e se surpreendeu com a visita de Dona Joana assim tão cedo. Ela foi entrando e olhando todos os cômodos da casa antes mesmo de cumprimentar sua nora. Não estranhe não Maria, você sabe muito bem o que penso sobre sua pessoa, inclusive sobre essa gravidez. Será que serei avó mesmo¿ Será que meu filho será o pai¿. E com perguntas ofensivas como estas é que Joana sempre magoava Maria, que para evitar que as coisas piorassem, deixava que sua sogra falasse o que quisesse sem nenhuma resposta ou defesa. Era sempre assim entre as duas, Joana ofendia, ofendia e ia embora e Maria se desmanchava em lágrimas pedindo aos céus que a socorressem. Nunca contara ao marido o que vinha ocorrendo há anos, mas agora, com a gravidez poderia até abortar de tão nervosa que ficava e decidiu compartilhar com Gabriel todos os acontecimentos de agressões praticados pela sua mãe.
Visitando Dona Úrsula
Maria resolveu conversar com Dona Úrsula, antes de Gabriel chegar e bateu a sua porta ainda nervosa com tudo